terça-feira, 9 de junho de 2015

Porque não sou escutado: A arte de estar errado mesmo estando certo




Alguma vez na vida você estava coberto de razão em relação a algum conteúdo em uma reunião, mas as pessoas pouco “deram bola” para o que você falava e pagaram para ver o erro acontecer? Dentre as alternativas possíveis, além de não ter conseguido expor seu pensamento de uma maneira lógica e racionalmente ordenada, você pode ter sido ineficiente na maneira de passar o conteúdo, ou ter falhado na compreensão de como funcionam alguns dos elementos da comunicação. Como assim? Explicarei nas linhas que se seguem.

Para seguirmos, é importante lembrar o básico da teoria da comunicação: o processo de comunicação ocorre com três elementos – um emissor (a pessoa que fala), uma mensagem, e um receptor (a pessoa que escuta), ao passo que devemos analisar algumas questões sobre cada um destes elementos:

O emissor é suficientemente eficiente na missão de gerar a mensagem?

A primeira maior dificuldade é relacionada às capacidades do emissor de gerar e transmitir a mensagem para o receptor, e dentro disso pode-se elencar diversos fatores: O emissor possui competência técnica ou inteligência suficiente para repassar um conteúdo adequado às reais necessidades do receptor? O emissor sabe utilizar corretamente a linguagem para alcançar o objetivo pretendido pela mensagem (escreve bem, de maneira clara, concisa e coerente)?

Ou seja, o primeiro elemento que deve ser verificado é a capacidade do emissor de gerar e transmitir a mensagem, incluindo as suas capacidades cognitivas, afetivas e volitivas. PERGUNTO: Se você fosse escolhido agora para substituir o Sílvio Santos em seu programa no próximo domingo você seria capaz? Ainda que fosse um grande orador, PROVAVELMENTE NÃO, porque o programa está dotado de uma identidade que só pode ser assumida pelo autor da mensagem. Ainda que você consiga “chegar muito perto” de ser um Sílvio Santos, ou que tenha um excelente carisma, nunca será ele, pode ser pior, ou melhor, mas nunca igual, porque existe um elemento psicológico chamado “Singularidade” no processo de criação e transmissão de mensagem, e este depende do emissor.

A mensagem é suficientemente clara ou boa?

Você pode até estar muito bem preparado, ter um talento incrível para a oratória, mas isso de nada adianta se você não tiver uma mensagem bem feita. Geralmente boas mensagens partem de ideias suficientemente claras, logo, se sua mensagem não estiver bem resolvida, sugiro que afine as suas ideias. De nada adianta ser um showman, um grande orador, e ter uma péssima mensagem: boas mensagens, na verdade, costumam falar por si próprias, mas a sensibilidade de quem as evidencia maximiza o seu potencial. Por isso, se muitas vezes você parecer não estar convencendo as pessoas, verifique se a sua mensagem está suficientemente clara. Mas ter uma mensagem clara não é suficiente para convencer as pessoas, ela deve ser BOA, no sentido de demonstrar uma grande adesão com a realidade.

Mas como saber destas coisas? Faça o exercício da empatia – coloque-se no lugar de quem escuta (uma boa técnica para isso é repetir a mensagem sozinho em voz alta, ou falar na frente do espelho). Outra coisa importante para saber se uma mensagem é boa ou clara o suficiente, tente antecipar as perguntas e questionamentos que os outros farão para você a respeito da mesma (tente identificar pontos críticos da mensagem, saná-los ou minimizá-los) e veja se você é capaz de respondê-los sozinho.

O receptor está preparado para receber a mensagem?

E aqui entra em cena o outro lado da história, o daquele que escuta a mensagem. Ora, mas a escuta não é um papel passivo, mas sim um processo ativo de recepção e transformação da mensagem em sensações. Neste sentido note se a pessoa da qual a mensagem a ser dirigida está suficientemente receptiva para a mesma: isso é muito importante, pois muitas pessoas podem até ter um bom conteúdo, ou uma boa intenção, mas determinados lugares, situações ou momentos podem não ser os mais adequados (quem gosta de receber um “religioso” em sua porta de casa em um domingo às 7 horas da manhã perguntando se você “conhece a palavra de nosso deus”, por melhor que seja a intenção de tal pessoa?). Outra tendência negativa (na maioria das vezes expressada por psicólogos iniciantes ou de estudantes de psicologia) é a de tentar ser “terapeuta quando não solicitado”... Oras, muitas vezes a pessoa não quer a sua opinião, não quer seu conselho, sua observação ou o que quer que seja, ela só quer desabafar, ser escutada ou confirmada, e muitas vezes você pode até ter razão em relação a um conteúdo, mas ela de nada valerá se não alcançar a outra pessoa. Por isso, às vezes, é melhor esperar para que se crie um clima propício à mensagem, do que tentar colocá-la em qualquer situação e à força: ela pode se quebrar.

Decida-se

Por penúltimo, escolha qual o estilo de comunicação que você deseja, pois há uma diferença conceitual e substancial entre um discurso e um diálogo. Um discurso envolve uma parte falante e uma parte ouvinte, e um diálogo envolve duas partes falantes e ouvintes. Um discurso pode ser mais rápido e ter um maior alcance, mas um diálogo implica em um maior comprometimento dos sujeitos e pode ser mais eficaz na tarefa de fixar conteúdos. E nunca devemos nos esquecer de que dois monólogos não fazem um diálogo, por melhores que sejam!  Isso porque, em um diálogo há que se ter a postura aberta e honesta da escuta enquanto processo ativo (a busca pela síntese das percepções da mensagem) e não somente aquela escuta de político pedinte de voto (que finge que te ouve, mas em sua cabeça só está pensando em uma maneira de te dar uma resposta politicamente correta para esquivar-se dos seus pedidos).

Uma dica infalível...

... é nunca esquecer-se que, por mais adequada e boa que esteja a sua ideia, toda mensagem é composta por CONTEÚDO e FORMA, sendo que não adianta nada privilegiar o primeiro e esquecer-se da segunda. Este princípio é tão poderoso que pode representar diferença entre ser rejeitado no primeiro minuto de sua fala ou ser aceito. Duas pessoas podem falar a mesma mensagem e receber diferentes respostas (aceitação ou rejeição) pela simples forma como expuseram o conteúdo. Mas como isso é possível? É pelo fato de que uma mensagem não é recebida simplesmente com a “cabeça” (com o sistema cognitivo), mas também com o “coração” (com o sistema afetivo). A forma como uma pessoa fala uma mensagem pode determinar se a pessoa ficará aberta/com vontade ou não (sistema volitivo) para receber e compreender efetivamente os sentidos da mesma.

Por isso, observando-se tais questões, você pode maximizar o potencial de sua comunicação, ou no mínimo, ser uma pessoa a menos na arte de estar errado mesmo estando certo.
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Imagem: Google Imagens

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Sobre o autor:

Murillo Rodrigues dos Santos, é psicólogo (CRP 09/9447) pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (Brasil), com formação sanduíche pela Universidad Católica del Norte (Chile). Possui aperfeiçoamento profissional pela Brown University (Estados Unidos) e Fundación Botín (Espanha). Mestrando em Psicologia pela Universidade Federal de Goiás (Brasil). Presidente da Rede Goiana de Psicologia.

Sobre a Rede Goiana de Psicologia

A Rede Goiana de Psicologia é uma organização estadual de coolaboração acadêmica e profissional, criada no ano de 2014 com o objetivo de fortalecer a nossa a psicologia enquanto ciência e profissão através de uma série de projetos. Quer saber mais sobre nós? Clique no link "sobre nós" no menu principal.

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