Ah, o amor, esse sentimento nobre
que é descrito há centenas de anos pelos poetas, filósofos, pensadores, e por
fim, psicólogos... E é por isso que eu estou aqui, talvez para fazer o papel de
advogado do diabo e desmascarar algumas questões ocultas a respeito de tão
falado sentimento.
Em primeiro lugar, tenho que
confessar que não estou tão certo que o amor seja um sentimento. Como assim, Sr.
Psicólogo? É isso mesmo! Acredito que o amor, seja ele o que for, é muito mais
complexo do que um simples sentimento. Aliás, se ele fosse fácil de descrever,
eu mesmo escreveria um tratado de algumas dezenas de páginas e ficaria rico
vendendo a receita para a felicidade através dele!
Mas vou tentar expressar alguma
coisa do que eu entendo sobre o amor. Para mim a mais bela e precisa definição
do amor advém de um verso da Bíblia:
“E sobretudo,
revistam-se do amor, que é o vínculo da perfeição” Colossensses 3:14
Este verso foi escrito por Paulo
de Tarso no século primeiro para uma comunidade de cristãos que viviam na
cidade de Colossos na Grécia Antiga, e de uma forma bem singela, traduz algo a
respeito do amor. Acredito que Paulo chamou o amor de “vínculo da perfeição”
pelo simples fato de ser a expressão maior da complexidade das relações
humanas. Explico, o amor não é uma simples emoção ou sentimento, mas um
conjunto de emoções e sentimentos que é revestido de vontade humana, que se
concretiza em uma decisão. Complicado? Explico melhor: O amor não é um simples
sentimento de “bem querer”, e isso é visível no fato de que muitas vezes, mesmo
amando uma pessoa, podemos sentir uma raiva muito grande dela, nos cansar,
termos dúvidas, sentimentos ruins e bons, alternados e ao mesmo tempo... é um
turbilhão de coisas que nos atropela e volta. Soma-se isso de uma “vontade”, um
querer, um desejo, fazendo com que, na síntese dos sentimentos e dessa vontade,
haja uma escolha da pessoa por amar. Por isso, eu definiria o amor como um
contínuo de sentimentos, vontade e decisão. É perfeito porque é completo,
expressa a nossa orientação de “bem querer” mesmo no “mal querer”.
Contraditório? Sim! E talvez a pessoa
que melhor tenha expressado esta relação contraditória tenha sido um poeta
português dos século XVI, Luis Vaz de Camões, ao escrever o famoso poema, do
qual adjunto uma parte:
“Amor é fogo que arde sem se ver
É ferida que dói e não se sente
É um contentamento descontente
É dor que desatina sem doer”
Bom, o amor parece ser isso, uma
grande relação que se expressa em contradições e que tem como fim último a
felicidade em si que se contenta na felicidade alheia. E aqui eu tenho que
diferenciar uma coisa, e é onde eu digo que há que se travar uma guerra contra
Hollywood: O amor não possui formas ou receitas, ele acontece no caminho. O
amor é um método peripatético* de vida, ou seja, ele acontece enquanto
caminhamos e vivemos.
O problema disso é que, em uma
sociedade onde o amor foi industrializado pelos romances hollywoodianos, onde a
estética é endeusada (pois o amor é lindo nos filmes), há uma grande crise de
angústia ao perceber que, o amor, é mais uma ética do que uma estética! Antes
de ser belo, ele tem que ser bom, e o bom não é necessariamente ligado ao
prazer, ao gozo! O bom está ligado ao essencial, ao que é necessário para que
se viva com plenitude. Por isso que há que se declarar guerra contra Hollywood:
Não devemos comprar um ideal de amor vendido por cenas cinematográficas
realizadas sob às estrelas, ou com histórias comoventes – o amor é uma decisão
de se viver mesmo quando não há pianos tocando sob a luz de velas.
O protesto que devemos fazer é
este: Não devemos comprar um ideal de amor fabricado por uma empresa! Não
devemos submeter nosso amor à Deus, ao próximo, ao cônjuge, à família, a nós
mesmos, pelos ideias feitos por Hollywood. Afinal de contas, a inconformidade
gerada pela desilusão criada pela dissonância fantasia/realidade é imensa, e
causa angústias de vida no indivíduo.
Não escrevo este texto como um “pessimista”
do amor, mas escrevo contra a inversão do valor deste: Antes de tudo, o amor é
uma orientação de vida, é uma ética, para depois disso se tornar uma estética.
E esta estética (beleza) é feita no caminho. Por isso, é necessário caminhar,
viver sem cultivar fantasias disfarçadas de expectativas, pois esperando um
grande final, perde-se toda a beleza do caminho.
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*Peripatetismo: É um método de ensino desenvolvido por filósofos
gregos clássicos, inicialmente por Aristóteles,
e posteriormente apropriado por Jesus de
Nazaré, cuja essência era “ensinar caminhando”. Ou seja, os filósofos se
reunião em grupos ao ar livre, e saíam pela cidade passeando e filosofando,
usando os elementos do caminho para refletir, ensinar e aprender.
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Imagem: Extraída do Google Imagens
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Murillo Rodrigues dos Santos, é psicólogo (CRP 09/9447) pela PUC
Goiás, com graduação sanduíche e estágio Terapia Sistêmico Relacional de Casais
e Famílias pela Universidad Católica del Norte (Chile). Possui aperfeiçoamento
profissional pela Brown University (Estados Unidos) e Fundación Botín
(Espanha). Mestrando em Psicologia pela Universidade Federal de Goiás (Brasil).
Atualmente é pesquisador pela CAPES/MEC e presidente da Rede Goiana de
Psicologia.
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