Sabe aquela vontade grande, às
vezes quase incontrolável, de pegar as malas e sair por aí, mundo afora, até
mesmo sem destino (para os mais desapegados) ou mesmo sair para um “retiro
espiritual” longe da correria da rotina comum do século XXI? Pois bem, ela pode
ser muito mais do que uma simples “fuga do estresse”.
Basicamente o ser humano é uma
série de processos biológicos, históricos, culturais, psicológicos,
concretizados em um corpo. Ou seja, ele é produto de uma série de arranjos
evolutivos e contextuais, mediado pela subjetividade individual e social do
sujeito. Isso quer dizer que, o ser humano é como o é hoje, não por uma simples
casualidade atemporal, mas ele é produto de todo um processo histórico.
Todavia, ao falar de “produto de
um processo histórico”, devemos situar melhor que tipo de história é esta e,
basicamente, podemos citar quais são:
1. História
da Espécie
2. História
do Indivíduo
3. História
da Cultura (ou social)
Por sua vez, estes três aspectos
históricos que devem ser considerados ao pensar no desenvolvimento humano:
Alguns teóricos, infelizmente, cometeram o deslize de pensar o desenvolvimento
humano do ser moderno, já pronto, inserido em uma cultura como se a mesma não
tivesse também uma gênese ou houvesse sido modificada. O fato é que, o ser
humano de hoje, já sofreu várias “mutações” sociais, culturais, individuais ao
redor de milhares de anos.
O ser humano evoluiu fisicamente,
desde que deixou de ser um australopithecus,
andando curvado pelas savanas africanas há cerca de 3 milhões de anos, ao corpo
atual de homo sapiens sapiens. O ser
humano também evoluiu culturalmente desde que aprendeu a escrever na
Mesopotâmia antiga, até a construção das espaçonaves modernas. E o ser humano
tem a sua história individual, desde quando nasce até o período de sua morte. Esta
compreensão destes três aspectos históricos do ser humano é importante para
entender o seu comportamento atual.
E é nesta compreensão que podemos
olhar para o nosso objeto de estudo: A vontade de viajar. Existem pessoas que,
viajam por trabalho, outros por estudos, outros por lazer, ou pelo motivo que
seja. O fato é que, existem diversas motivações que podem levar à um mesmo
comportamento. Mas o que nos referimos neste texto é o fato de que, parece
existir no ser humano uma vontade muito grande de sair de suas “quatro paredes”
para conhecer o mundo. Há casos “extremos” desta vontade, de pessoas que
abriram mão de toda a estabilidade econômica e social para viver rodando o
mundo, como peregrinos, e isso não é considerado nenhum tipo de doença ou
transtorno. Mas dentro de tantas opções de lazer que o mundo contemporâneo pode
oferecer, ou de realizações pessoais, porque parece que ainda existem pessoas
que só se realizam rodando o mundo?
Olhando pelo aspecto histórico do
ser humano, podemos nos lembrar da época em que o mesmo era um nômade cujas
viagens eram aspectos essenciais para a sua sobrevivência. Este, antes
de dominar a agricultura, era um ser coletor e caçador, e necessitava mover-se
para sobreviver. Essa dinâmica parece ter sido essencial para o desenvolvimento
do ser humano e digo isto pelo fato de que, o desenvolvimento psíquico nada
mais é do que uma constante movimentação de forças com o objetivo de promover a
sobrevivência do ser humano. Ou seja, o homem é, segundo a Teoria Evolucionista,
o mais adaptado de todos os seres (pelo menos até o momento).
Esta vontade de viajar talvez
tenha sido um dos elementos que, depois que o ser humano aprendeu a fixar-se em determinado territórios, deixando o nomadismo, melhor se incorporou ao psiquismo, no
nível simbólico, como um mecanismo que expresse a luta pela sobrevivência, pois quanto mais conhecimento este tiver sobre
os espaços possíveis, melhor adaptação terá.
Esta ideia é tão interessante que
pode ser comprovada inclusive pelo fato de que, viajar nos dias atuais
significa muito mais do que ter um tempo para lazer, mas ter um tempo e um
espaço para assimilação de novas culturas e, estas por si mesmas, dão ao homem
maior arcabouço de ferramentas para que este tenha mais sucesso em suas
empreitadas: Pessoas com maior experiência em viagens para o exterior parecem
ter maior facilidade em aprender novos idiomas, ter melhores possibilidades
para conseguir melhores vagas de emprego ou coisas do tipo. Não que isso seja
por um passe mágico, mas pelo simples fato de que, quanto mais você conhecer,
maior a probabilidade de ter mais “cultura”.
Então, essa vontade louca de
viajar, aparentemente inexplicável em alguns casos mais extremos, pode ser sim,
uma reminiscência de um longínquo passado.
Murillo Rodrigues dos Santos, é psicólogo (CRP 09/9447) pela PUC
Goiás (Brasil), com graduação sanduíche pela Universidad Católica del Norte
(Chile). Possui aperfeiçoamento profissional pela Brown University (Estados
Unidos) e pela Fundación Botín (Espanha). Mestrando em Psicologia pela
Universidade Federal de Goiás (Brasil). Atualmente é pesquisador pela CAPES/MEC
e presidente da Rede Goiana de Psicologia.
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