quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Policiais praticando exorcismo em praça pública: Das relações entre religião, Estado e psicologia




Esta semana um vídeo rodou pelo Facebook mostrando policiais militares do Estado de Goiás, durante uma abordagem a um indivíduo, realizando uma sessão de exorcismo. Como de costume o Facebook se dividiu entre pessoas contra a prática, alegando a laicidade do Estado, e outras que se colocaram a favor, aprovando a atitude dos policiais como uma demonstração de fé.

O que faz tal vídeo dividir opiniões: Em primeiro lugar, a questão religiosa sempre foi um assunto polêmico em um mundo de cada vez menos tolerância, seja por parte dos religiosos ou dos não religiosos. Em segundo lugar, ao assistir este vídeo, ele representa diferentes tipos de sentido, para diferentes tipos de pessoas: Os religiosos terão a tendência da sua consciência a avaliarem o vídeo pelo lado de seu viés psicológico, da maneira como foram e são treinados para eprcebê-lo, como uma prova de fé. Os não religiosos, ou pessoas que comungam de religiões concorrentes, tem a tendência de vê-lo como uma afronta aos princípios da laicidade do Estado. Mas são somente estas duas posições possíveis? Não! Existem uma série de outras, como de pessoas religiosas, da mesma linha de crença dos policiais, que desaprovarão o vídeo. O que passa é que tudo depende de como se olha para o mesmo, e a história de vida do intérprete é que mediará a sua percepção em relação ao tema.

Mas o fato de policiais militares, em horário de serviço praticarem um ritual de exorcismo está certo ou errado? Antes de me debruçar sobre esta pergunta, posto o vídeo para conferência:


O fato é que o Estado é Laico, e assim deve ser para que as liberdades fundamentais sejam respeitadas, inclusive o direito de culto. Estado laico não quer dizer que seja ateu, ou repressor de qualquer crença religiosa, mas um Estado que está oficialmente separado dos interesses religiosos e que não deve, sob hipótese alguma, privilegiar nenhum tipo de crença sobre outra. Não se trata de uma batalha filosófica entre ateísmo ou qualquer tipo de crença, mas em deixar clara a posição de que, todos tem o direito de serem livres para acreditarem ou desacreditarem no que quiserem, desde que isso não interfira no direito do próximo.

Um Estado Laico representa uma postura oficial do Estado sobre temas de ordem e relevância social, e isto quer dizer que devem existir determinados procedimentos padrões que resguardem as liberdades civis contra qualquer tipo de ameaça de intolerância, dominação ou interferência religiosa. Ninguém é obrigado a esconder ou será reprimido pela manutenção de sua fé em um Estado Laico, muito menos será obrigado a abdicar de nada do que crê, mas tampouco deverá fazer uso de sua fé como meio de imposição ou ação coercitiva à ninguém sob e para qualquer circunstância.

O que se passa é que, como vimos o vídeo, e como a PM Goiás se manifestou, o que passou-se no episódio dos policiais exorcistas, vai totalmente contra os regulamentos e contra os padrões da corporação e não representam o modo operatório da mesma. Isso representa uma grande confusão pelo seguinte fato: Dizer que um Estado é laico, não quer dizer que automaticamente os seus agentes o sejam! O problema é que, a religião deve ser uma coisa da esfera exterior ao Estado e que, por não saber fazer a mediação entre público e privado, muitas vezes ocorrem certas questões como esta.

Em se tratando de psicologia podemos entender isso desta forma: O pensamento brasileiro é bastante heterogêneo e, infelizmente mal educado – os locais se confundem entre público e privado e algumas vezes falta certo grau de assertividade nos comportamentos cidadãos. Esta heterogeneidade não é típica de parcela A ou B da população brasileira em específico, mas é típica de uma população que ainda é funcionalmente analfabeta para diversos temas políticos e sociais.

Esta confusão é típica, por exemplo, em consultórios psicológicos, onde profissionais por vezes, não sabem fazer a demarcação entre a sua crença religiosa e a sua atuação profissional, o que causa uma série de infrações éticas sérias. Não se tratam de leis que sejam repressoras à crença de ninguém, mas o simples fato de separar territórios: O território da “evangelização” é diferente do território da promoção dos direitos e liberdades civis. Não que um interfira no outro diretamente, mas isso deve ser feito em seus devidos espaços.

Nosso papel enquanto psicólogos é tentar ajudar na demarcação destas diferenças: Ninguém deve ser obrigado a ter a sua fé suprimida, mas de contra partida, ninguém é obrigado a ter uma fé imposta. A resposta para estas problemáticas continua sendo o diálogo, mas este para quem consegue manter um mínimo de contato ou disposição para o mesmo, afinal de contas, para ambos os lados, ninguém gosta ou está disposto a conversar com uma “porta”.

Por isso senhores, a psicologia tem um papel importante neste processo: Construir pontes onde há muros de intolerância, e ser uma luz de razão, onde a intolerância for a expressão pontiaguda das trevas humanas.

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Imagem: Extraída do Facebook

Vídeo: Extraído do Youtube

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Sobre o autor:

Murillo Rodrigues dos Santos, é psicólogo (CRP 09/9447) pela PUC Goiás (Brasil), com graduação sanduíche pela Universidad Católica del Norte (Chile). Possui aperfeiçoamento profissional pela Brown University (Estados Unidos) e pela Fundación Botín (Espanha). Mestrando em Psicologia pela Universidade Federal de Goiás (Brasil). Atualmente é pesquisador pela CAPES/MEC e presidente da Rede Goiana de Psicologia.

Sobre a Rede Goiana de Psicologia

A Rede Goiana de Psicologia é uma organização estadual de coolaboração acadêmica e profissional, criada no ano de 2014 com o objetivo de fortalecer a nossa a psicologia enquanto ciência e profissão através de uma série de projetos. Quer saber mais sobre nós? Clique no link "sobre nós" no menu principal.

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