Preço licença para quebrar o
protocolo usual da escrita formal, e usar a primeira pessoa do singular para
tratar deste assunto, ou pelo menos para introduzi-lo. Faço isso desta maneira
porque sempre achei paradigmas estáticos questões muito “chatas” ou “desatualizadas”,
assim como todos os dogmas que os sustentam, inclusive na escrita. A escrita
acadêmica (ou semi-acadêmica) que preza pela neutralidade, formalidade e pela
terceira pessoa, deve dar espaço à identidade do sujeito por trás das palavras:
Aquele que se expressa social e politicamente a respeito dos temas. Enfim,
precisamos romper com alguns paradigmas velhos para reconciliar aspectos
irreconciliáveis de nossa ciência, e um destes paradigmas se coloca na questão
da exposição de nossos pontos de vista.
Estava refletindo sobre uma
questão muito importante em nossa atualidade, e que possui um significado
especial em minha formação (na minha graduação, mestrado e também na vida
profissional): A questão da fragmentação da Psicologia, enquanto ciência e
profissão. Desde o início dos saberes psicológicos, a nossa ciência se dividiu
em várias escolas de pensamento: Criou-se a psicanálise, o behaviorismo, a gestalt,
o psicodrama, o cognitivismo, etc, etc, etc, e cada uma fala algo que lhe é
particular: Um objeto de estudo, uma dinâmica, uma metodologia, uma
epistemologia e uma ontologia, todas diferentes (Schultz & Schultz, 2009).
Tendo em vista este panorama de
fragmentação teórica e prática, vários psicólogos escreveram teses e teses em
busca de uma solução para o problema: Um destes foi Vigotski (1927/2009) que no
seu célebre texto “O significado histórico da crise na Psicologia argumentou
que era necessário encontrar as bases para uma psicologia geral, de modo a
termos uma ciência consistente e não simplesmente especulativa.
Comungando com a ideia de
Vigotski, ao nos propor sobre o pensamento de integrar o saber das psicologias,
devemos nos perguntar, o que há de básico, ou de comum à todas essas escolas?
Existem princípios gerais do conhecimento psicológico que podem ser aplicados
na prática? Acredito que sim! Mas isto é uma coisa que levará anos, quem sabe
décadas para ser melhor estruturado por uma escola de pensamento, ou que talvez
nunca tenha uma solução como a pensamos hoje, afinal de contas, a psicologia é
tão dinâmica como os homens que a fazem.
Por isso, ao pensar sobre o tema,
identifico quatro princípios básicos que podem ser considerados habilidades
necessárias à todo e qualquer (bom) psicoterapeuta:
Escutar: Escutar é muito mais do que ouvir, mas é a capacidade de
compreender intelectiva e emocionalmente o conteúdo trazido pelo seu cliente, e
é uma arte que envolve um grande treinamento e empatia.
Sintetizar: É a arte de conectar pontos que muitas vezes, na fala
do cliente, estão desconectados ou emaranhados em toda uma capa discursiva, em
uma sequência lógica, objetiva e compreensível.
Devolver: É muito mais do que devolver uma descrição da fala do
cliente, ou mesmo repetir como um eco a voz do paciente, mas é entregar um
conteúdo sintetizado ao paciente de modo à...
Gerar reflexão crítica: Ora, esta nada mais é do que colocar o
pensamento em cheque, demonstrando as suas inconsistências ou forças, e tentar
construir novos caminhos e habilidades. Gerar reflexão crítica é colocar o
pensamento em crise, pois somente esta é capaz de desestabilizar estruturas
antigas para reformá-las ou colocar novas no lugar.
Estas quatro habilidades que parecem ser muito simples, são
mais do que isto, são verdadeiras artes na questão relacional humana, e são
necessárias para a realização de qualquer trabalho com qualquer pessoa no
âmbito psicológico. Se uma pessoa quer ser um bom psicólogo, deve se colocar no
lugar de alguém pronto a aprender sobre estas quatro questões, senão será
somente mais um perpetuador da psicologia do senso comum, destas que se compram
em qualquer livro de autoajuda ou em qualquer conselho leigo.
Referências
Schultz, D. P. & Schultz, S. E. (2009). História da Psicologia Moderna. São Paulo: Cengage Learning.
Vigotski, L. S. (2011). Obras Escogidas: Tomo 1. Madrid: Antonio Machado Libros.
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Foto:
Retirada do Google Imagens
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Sobre o autor:
Murillo Rodrigues dos Santos,
é psicólogo (CRP 09/9447) pela PUC Goiás (Brasil) com graduação sanduíche e
estágio em terapia de casais e famílias pela Universidad Católica Del Norte
(Chile). Possui aperfeiçoamento profissional pela Brown University (Estados
Unidos). Mestrando em Psicologia pela Universidade Federal de Goiás (Brasil).
Atualmente é pesquisador pela CAPES e presidente da Rede Goiana de Psicologia.
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