Este é um daqueles textos que
deveria ser compartilhado, inclusive estampado nas paredes das organizações
onde os psicólogos organizacionais trabalham, se for o caso. Digo isto porque
ele se pretende a ser um manifesto de revolta, ou de pedido de socorro, diante
da mentalidade dos gestores empresariais, ou mesmo de alguns psicólogos que se
encontram presos em uma mísera rotina que lhes quita a criatividade de
empreender novas dinâmicas em seu local de trabalho. Digo isto porque
infelizmente muitos psicólogos têm sucumbido a rotinas impostas pelas
organizações ao seu trabalho por conta de visões equivocadas ou mesmo estreitas
das possibilidades que existem em sua atuação.
Apesar de muitas empresas estarem
“acordando” para a atuação do profissional de psicologia, e da utilidade de seu
trabalho em uma organização, parecem ainda engatinhar quando se trata do tema: “O
que um psicólogo pode fazer na minha empresa?”.
A primeira coisa que vem à cabeça
dos gestores ou que se instala na cultura da empresa, geralmente é: “O
psicólogo é o profissional que vai me ajudar a contratar as pessoas certas”...
Em partes! Digo isto porque, em primeiro lugar, há que se desafiar este lema fordista
na organização do “homem certo no lugar certo”. Oras, muitas empresas
(entenda-se gestores) estão acostumadas a culpar os seus funcionários de vários
problemas, buscando adaptá-los às suas exigências, mas muitas vezes são
insensíveis para o fato de que o erro pode ser da organização, e não das
pessoas que a operam, sendo mais fácil querer encontrar uma pessoa com
qualidades “x” ou “y” do que fazer qualquer alteração em um dinâmica de
trabalho ineficiente. Não adianta encontrar “o homem certo” para o “lugar certo”,
se o segundo não for “tão certo assim”. É preciso que se pense que não adianta
nada encontrar o melhor funcionário do mundo se ele não tiver as condições
adequadas para exercitar o seu trabalho.
Todavia, este tipo de pensamento
em uma organização é raridade! Na intenção de encontrar uma pessoa com as
características “adequadas” ao posto de trabalho, os gestores geralmente buscam
os psicólogos por acreditarem que estes tem “poderes quase mágicos” (só que
amparados pela ciência desta vez) de através de algum instrumento (os testes psicológicos
por exemplo) de encontrarem pessoas, e classificá-las por funções, para
exercerem determinados tipos de atividades, aceitando-as ou descartando-as.
O grande problema disto é que
existe uma certa lógica macabra ao industrializar o processo de recrutamento e
seleção, coisificando o trabalhador através de escores de desempenho que podem
ser muito bem falseados através de uma noite de sono mal dormida, por exemplo
(tente aplicar um teste de atenção concentrada com alguém que por algum motivo
passou a noite em vigília, e saberá do que estamos falando).
O grande problema é que esta
lógica capitalista levada ao extremo é uma espada de dois gumes: Na mesma
medida em que coisifica o candidato ao trabalho, também coisifica o psicólogo,
tornando-o somente mais uma peça deste sistema de produção em massa de exclusão
por competências falseáveis. Não estou aqui questionando a validade de nenhum
teste psicológico, estes que passam por sérios processos de criação e
validação, mas questiono a lógica que obriga o psicólogo e o processo de
Recrutamento e Seleção à simples aplicação do teste pelo teste...
Você que é psicólogo, se for
buscar uma vaga em uma empresa na área de Recursos Humanos, com certeza
esbarrará em algum momento da entrevista com a seguinte pergunta: “Quais testes
você aplica?”... Ora, natural para o psicólogo usar ferramentas que são
privativas de sua profissão, mas o problema encontra-se no fato de que nenhum
psicólogo é obrigado a usá-los! É como se o psicólogo fosse reduzido à
aplicação de testes, e ai daquele profissional que por orientação teórica, for
contrário à eles.
A questão, senhoras e senhores é
que, o psicólogo é muito mais do que um mero aplicador de testes, e possui um
grande arsenal de instrumentos para realizar um processo de recrutamento e
seleção: Entrevistas, questionários, cases, dinâmicas de grupo, avaliações
específicas, são exemplos disso.
Neste sentido, o manifesto deste
texto é o seguinte: Infelizmente algumas organizações estão reduzindo o
trabalho do psicólogo às suas ferramentas, e estão considerando os escores padronizados
como se estes fossem a “voz última da razão” e não como meros indicadores de
direção. Cabe a nós, psicólogos, sermos criativos e termos muito tato e
paciência para operarmos as mudanças culturais e as conscientizações que nosso
trabalho exige.
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Imagem: Google Imagem
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Murillo Rodrigues dos Santos, é psicólogo (CRP 09/9447) pela PUC
Goiás (Brasil) com graduação sanduíche na Universidad Católica del Norte
(Chile). Possui aperfeiçoamento profissional pela Brown University (Estados
Unidos) e Fundación Botín (Espanha). Mestrando em Psicologia pela Universidade
Federal de Goiás (Brasil). Atualmente é pesquisador pela CAPES/MEC e presidente
da Rede Goiana de Psicologia.
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