Ao olhar para a pergunta que
intitula este texto você pode estar pensando: Nada! Mas gostaria de lhe
convidar para fazer uma reflexão a respeito do assunto. O atentado terrorista
que se passou na cidade de Paris no mês de Janeiro de 2015, realizado por três
jovens de orientação islâmica, conforme foi veiculado pela mídia, parece ter
implicações religiosas, e é neste ponto que podemos entrar.
Em primeiro lugar, há que se
lutar contra a tentação de generalizar toda uma religião (O Islã, ou qualquer
que seja) ou todos os seus crentes (muçulmanos, ou quaisquer outros que sejam)
por conta de ataques isolados de três seguidores de uma vertente controvertida
e condenada por várias outras (muitas organizações e líderes muçulmanos
condenaram o ataque). E isso em si não é um caminho fácil, afinal de contas, os
próprios cristãos, que são maioria no Ocidente, possuem dificuldades em lidar
com as diferentes correntes religiosas dentro de sua própria religião
(Católicos VS Evangélicos; Católicos Vs. Ortodoxos; Evangélicos Vs Evangélicos;
etc.), e também com as religiões alheias – E isso não é exclusivo de uma
religião ou de outra, mas parece ser um mal que assola Cristãos, Muçulmanos,
Judeus, Budistas, Espíritas, ou o que quer que seja, sem distinção – e, não que
seja algo oficialmente pregado por uma religião ou outra, mas que, estas, sendo
formadas por pessoas que são “imperfeitas por natureza”, estão sujeitas a
qualquer tipo de interpretação, ação ou distorção possível. E como saber se uma
religião não está sendo distorcida: Estudando a teologia dela! Mas isto não é
papel dos psicólogos.
O papel dos psicólogos neste caso
é tentar compreender o comportamento motivado pelas crenças religiosas do
indivíduo; aí sim, é nossa área de atuação, e há que se diferenciar muito bem
entre religião e comportamento religioso, pois a primeira é uma série de
crenças e valores, dotados de sentido dentro de uma estrutura ritualística; e a
segunda nada mais é do que o comportamento que é motivado por crenças.
Episódios como os ataques
terroristas motivados por interpretações religiosas tem o poder de gerar uma
raiva na população em geral, e até causar verdadeiras guerras entre parcelas da
sociedade, cada uma defendendo o seu ponto de vista religioso ou valores. O que
acontece é que, o terreno da religião é, certamente, um dos mais perigosos do
mundo, pois envolve aquilo que é mais sagrado e mais arraigado no ser humano:
Suas crenças!
Talvez uma das primeiras
vertentes da psicologia a dar o “valor” merecido ao tema das crenças tenha sido
a Psicologia Cognitiva, ao pensá-las como estruturas determinantes para o
comportamento humano. Todavia, o que quero expor aqui não é nenhuma vertente
desta abordagem ou nem mesmo sobre seu papel ou importância, mas ressaltar que
existe um campo de estudo na Psicologia (que não está necessariamente ligado à
Psicologia Cognitiva) que muitas vezes é desprezado por pesquisadores: A
Psicologia da Religião.
Sim, existe uma psicologia da
Religião e esta não está preocupada em estudar a existência de um deus, ou
provar que a religião A é superior ou mais verdadeira que a B, pois se isso
existir seria trabalho de apologetas e não de psicólogos. A Psicologia da Religião é um ramo da psicologia que se ocupa do estudo
do comportamento motivado por crenças religiosas, com todas as suas implicações,
e isso não tem nada a ver com qualquer fé ou teologia específica.
Vivemos em mundo com quase 8
bilhões de habitantes, das quais cerca de 84% possuem uma religião (Pew
Research, 2012), e esta interfere diariamente na vida dos indivíduos, sociedades
e governos e neste sentido, parece receber uma atenção ínfima da Psicologia.
O que acontece é que, parece que
ciência e religião ainda não conseguiram estabelecer um diálogo honesto deste
seu divórcio no fim da Idade Média, com o Renascimento e o Iluminismo Europeus,
ficando até os dias de hoje responsáveis por ataques mútuos entre a fé
científica e a religiosa. Todavia, a religião é resultado de diversos
escrutínios de teóricos psicológicos, como Freud (2009), Jung (1978), Benkö
(1981), dentre outros, porém, no dias de hoje parece estar esquecidas nas
universidades, grupos de estudos e pesquisas no Brasil e no mundo.
Se tal ramo da psicologia fosse
forte o suficiente para despertar atenção dos pesquisadores do mundo, quem sabe
não teríamos maiores condições para compreender as angústias do mundo pós-moderno
que tem levado homens e mulheres para, em pleno século XXI, apelarem à barbárie
em prol de suas crenças?! Quem sabe teríamos mais condições de ajudarmos a
sociedade a fazer menos generalizações preconceituosas em prol da religião e
contra grupos específicos da sociedade de modo a melhorar as relações humanas?!
Enfim, o que nós psicólogos temos
a ver com o atentado terrorista em Paris, e todos os outros, é a possibilidade
de olharmos com os olhos da ciência para os fenômenos religiosos que sempre
moveram o comportamento humano através de sua história, resgatando tal variável
para a compreensão da sociedade e sua subjetividade, de modo a nos tornarmos
mais aptos para ajudarmos na prevenção de tamanhos de desastres ou no mínimo,
na conscientização das próximas gerações, das barbáries que podem ser evitadas
com o advento de um pensamento universalmente voltado para a dignidade humana.
Referências
Benkö, A. (1981). Psicologia da Religião. São Paulo: Loyola.
Freud. S. (2009). O futuro de uma ilusão, O mal-estar na
civilização e outros trabalhos (tomo 21). Em, Obras completas de Sigmund Freud.
Rio de Janeiro: Imago.
Jung. C. G. (1978). Psicologia e Religião. Em, Obras
Completas de C. G. Jung (Vol. 11) (M. R. Rocha, Trad.). Petrópolis: Vozes.
Pew Research (2012). The Global Religious Landascape. Disponível
em: http://www.pewforum.org/2012/12/18/global-religious-landscape-exec/
no dia 09 de Janeiro de 2015.
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Imagem: Extraída
de “O Globo”
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Murillo Rodrigues dos Santos, psicólogo (CRP 09/9447) pela PUC
Goiás (Brasil) com graduação sanduíche na Universidad Católica del Norte
(Chile). Possui aperfeiçoamento profissional pela Brown University (Estados Unidos)
e Fundación Botín (Espanha). Mestrando em Psicologia pela Universidade Federal
de Goiás (Brasil). Atualmente é pesquisador pela CAPES/MEC e presidente da Rede
Goiana de Psicologia.
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