segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Reflexões sobre o Trabalho, estado de insegurança social e a Psicologia





Bauman (1999) descreve modernidade como um período de transformações sócio estruturais e intelectuais iniciadas na Europa no século XVII e iniciadas no âmbito cultural por meio do Iluminismo, refletindo no cotidiano pela forma de vida baseada no desenvolvimento industrial. O conceito de “derretimento dos sólidos” possui um papel simbólico de quebra de padrão onde na transição da fase pré-moderna para a modernidade sólida houve uma libertação da economia vigente, onde a mesma deveria ser substituída por uma nova ordem sólida.  Porém, na prática, as algemas da liberdade individual foram passadas das mãos da Igreja para o Estado, e a individualização aconteceu de forma mais idealizada do que real, visto que a sociedade foi dividida em classes (Bauman, 2001, p.41).

Com o objetivo de superar os “traumas” de um Estado abusivo, novas correntes a fim de discutir a liberdade e individualização começam a surgir, e um novo direcionamento foi dado aos alvos do derretimento onde seus poderes desceram do nível ‘macro’ para o ‘micro’ do convívio individual, e o peso dos padrões e responsabilidades pesou sobre o ombro dos indivíduos.  A nova tendência passou a ser manter a fluidez dos padrões e não mais solidifica-los. Com a introdução da modernidade líquida, a responsabilidade sai da esfera pública para a privada, e o processo de definição de identidade surge como uma nova tarefa de cada um (Bauman,2001).

Com o repasse de responsabilidades do público para o privado, os indivíduos possuem menos tempo para direcionar o olhar ao macro, tornando-se “cegos” para os problemas políticos e coletivos. A nova tarefa de ‘cada um precisa fazer sua parte’ coloca sob os indivíduos a responsabilidade dos problemas coletivos. (Bauman, 2001) A fluidez promove modelos múltiplos para orientar ações, e surge o hábito de sempre procurar novas teorias e exemplos. Como na maioria das vezes, segui-los não se torna efetivo na prática, a incerteza de se ter sucesso se mostra cada vez mais uma incógnita tornando o medo de agir e se posicionar cada vez maior (Bauman, 2001, p.103).

Esta mudança de continuidade refletiu-se na vida cotidiana, principalmente no que se refere ao trabalho. A ética do trabalho, segundo Bauman (2001) segue premissas básicas, onde para se querem algo, é necessário agir e fazer e para se querer sempre algo, acredita-se que o homem  possui uma indisposição geral para não se conformar com o que se tem, e na medida em que se conquista algo, essa conquista deve motivar a continuação do trabalho e não a parada do mesmo  (Bauman, 2001).

O que se destaca, é a mudança ocorrida no centro desse valor. O trabalho, na modernidade sólida carregava o conceito de “nunca parar” e da busca constante de algo inatingível, porque o alvo sempre corria mais rápido do que se poderia alcançar. Apesar disso, a dúvida era que meios usar para se alcançar o fim, e se sabia que o tempo para alcança-lo, seria o trabalho de toda uma vida.  Na fluidez da modernidade líquida, o trabalhado se desvincula do capital e é marcada pela instantaneidade, a espera da satisfação é substituída pela estética do consumo, onde diariamente é possível o acesso a desejos instantâneos (Bauman, 2001). A pureza do trabalho é colocada em segundo plano e a perda da relação entre trabalho e fins promove incertezas que acabam sendo sufocadas pela própria busca do consumo. Pela generalização dos valores, todos os aspectos da vida social passam a ser vistos como objetos de consumo, inclusive laços e parcerias, onde da mesma forma que o que se compra, pode ser considerado supérfluo, usufruído e descartado (Bauman, 2001).

Apesar das mudanças, a base do sistema se manteve, sendo alicerçada na divisão do trabalho, na exploração da força do trabalhador, na divisão de classes e orientação para o crescimento e lucro.  A força produtiva já poderia ter dispensado as condições de desigualdade, pois apesar de ter condições de suprir suas reais necessidades, encontra-se excluída por uma sociedade do consumo que não tem limites (Marcuse, 1972).

Essa nova “aristocracia do trabalho” promove uma divisão entre os próprios indivíduos, que passam a ser divididos entre globais e rápidos e locais e lentos. (Tonelli, 2000).  Por meio disso, a hierarquização dos indivíduos se aloca dentro das próprias empresas, onde os mesmos são divididos por um abismo propiciado por visões e experiências de vidas diversas. Tal diferença promove total falta de identificação entre indivíduos que pertencem a uma mesma realidade. Mattoso (1995) afirma que a valorização da força de trabalho intelectual e transformações produtivas e tecnológicas propiciam fragmentação e insegurança a classe de trabalhadores. Surge assim, novas formas de intensificação do trabalho, subempregos e mudanças na forma de se encarar o valor do trabalho.

É necessário avaliar formas para que o trabalhador seja considerado e incluído nas formas de atuação da sociedade, e não estigmatiza-los como preguiçosos.  Acredita-se que o trabalho funcione como organizador e meio de controle social. Sem ele, todos ficariam a mercê de uma legião de desocupados. Porém, o que se mostra efetivo, é que a realização de trabalhos repetitivos e desconectados com um fim real proporciona acomodação e alienação, onde não se sobra tempo para que o homem pense sobre liberdade, justiça e felicidade e não tenha tempo para incluir esses fatores em sua vida. (Forrester,1997).  Marcuse (1972) afirma que a relação do individuo com a saúde está deturpada pelo conceito de produtividade, e que a capacidade de cada um se manter crítico em relação a esse conceito está em extinção.

Apesar de a sociedade contemporânea permitir a possibilidade de o homem não precisar se manter ligado diretamente ao trabalho por horas a fio, a cultura ainda nos move ao tempo de que o trabalho era imprescindível para a sobrevivência do homem (Adorno, 1995b).

É preciso, como profissional de Psicologia, se atentar para não colaborar com a manutenção do status quo de dominação, sob a concepção de que o trabalho é imprescindível para a satisfação plena e a repressão e infelicidade causadas pelo excesso do mesmo como algo natural. Para Marcuse (1972) a necessidade do trabalho precisa estar atrelada a realidade.

Cabe a Psicologia, a recusa da manutenção de padrões que permeiam a relação de exploração entre indivíduo e trabalho, estabelecendo a recusa a valores culturais e ideologias das bênçãos da produtividade (Marcuse,1999).

Como consequência desse novo modelo de sistema e como consequência nova forma de se encarar o trabalho, o indivíduo encontra-se inseguro e submisso, onde sua consciência critica em relação ao próprio eu encontra-se tão deturpada, que mais do que não suportar o sofrimento, ele encontra-se alheio ao mesmo, ficando satisfeito.  A alienação promove o declínio da autonomia e fragilidade do eu. (Marcuse,1967).

Assim, torna-se necessário resgatar e problematizar o que é considerado saudável em relação a produtividade nos tempos atuais, e refletir sobre o que realmente tem controlado o ideal e comportamento do trabalho como meio de sobrevivência, visto que, em nome do progresso e desenvolvimento, o sacrifício do homem  não tem respeitado os limites do corpo em detrimento das exigências de produtividade.
(George 2002, Forrester,1997).

Referências
BAUMAN, Zigmunt. Modernidade Líquida. São Paulo: Jorge Zahar Editor. 2000.

BOCK, Ana Maria Bahia; GONÇALVES, Maria da Graça Marchina; FURTADO, Odair. (Orgs.). Psicologia Sócio-Histórica: uma perspectiva crítica em psicologia. 5ª ed. São Paulo: Cortez. 2011.

GONZÁLEZ REY, Fernando Luis. Pesquisa qualitativa em psicologia: caminhos e desafios. São Paulo: Pioneira Thomson Learning.2002.

MORIN, Edgar. O método, vol. 1: A natureza da natureza. Sintra: Edições Europa América. 1991.

MORIN, Edgar. Epistemologia da complexidade. In: SCHNITMAN, Dora Fried. Novos paradigmas, cultura e subjetividade. Porto Alegre: Artmed. 1996. p. 274-289.

MORÍN, Edgar; ALMEIDA, Maria da Conceição de; CARVALHO, Edgar de Assis. Educação e Complexidade: os sete saberes e outros ensaios. 4 ed. São Paulo: Cortez.

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Imagem: Extraída do Google Imagens

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Sobre a autora:

Laura Gomes de Oliveira, é psicóloga (CRP 09/9137) pela PUC Goiás (Brasil), com estágio em Clínica Analítica Comportamental.  Experiência sólida em Gestão de Pessoas, consultoria empresarial e atendimento psicológico. Atualmente trabalha como Consultora de Gestão de Pessoas em empresa de grande porte em Goiânia e é Psicóloga Clínica Comportamental na Clínica Espaço Absolut.

Sobre a Rede Goiana de Psicologia

A Rede Goiana de Psicologia é uma organização estadual de coolaboração acadêmica e profissional, criada no ano de 2014 com o objetivo de fortalecer a nossa a psicologia enquanto ciência e profissão através de uma série de projetos. Quer saber mais sobre nós? Clique no link "sobre nós" no menu principal.

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