quarta-feira, 11 de março de 2015

A adultização da infância: Um problema para a periodização clássica do desenvolvimento humano




Esta semana fiquei horrorizado ao ver um vídeo no Facebook onde três crianças, que não deveriam ter mais do que 10 anos cada, faziam uma “apresentação” de funk carioca: O problema neste sentido não está atrelado ao gosto musical pela música apresentada (que era, em meu ponto de vista, um estupro musical), mas na performance apresentada – o menino cantava (notava-se que ainda não sabia nem pronunciar algumas palavras direito), sem camisa, enquanto duas meninas, seminuas (esboçando já o desenvolvimento precoce das mamas, cobertas por tops minúsculos) esfregavam-se no garoto, literalmente, e faziam movimentos típicos da dança sexualizada dos bailes. Não postarei o vídeo por notáveis razões éticas.

Longe de ser puritano, coisa que realmente não sou, e de tentar tolher qualquer tipo de expressão da sexualidade infantil (para os leitores desavisados: digo isto no sentido psicanalítico, não no sentido do que o senso comum pode pensar), fiquei horrorizado com o que vi – crianças que ainda nem sabiam falar direito, expressando uma sexualidade recheada de erotismo adulto. Não vou colocar ou tentar analisar o problema moral disto, por entender que cada pessoa interpreta a moral de sua maneira ou por suas crenças, mas colocarei nas linhas seguintes o problema psicológico e social do fato.

Em primeiro lugar, vários teóricos da psicologia tentaram periodizar o desenvolvimento humano, na tentativa de compreender o que seria o “normal esperado” para cada fase, de modo a poder acompanhar as questões decorrentes da experiência de cada indivíduo: Problemas de aprendizagem, sofrimentos psíquicos das mais variadas espécies, acompanhamento educacional adequado e etc. Aqui também enfrentaríamos um problema filosófico de grande escala, se nos perguntarmos o que entendemos por “normal”, e não é nosso objetivo perdermo-nos neste tema.

Quando falo sobre o desenvolvimento humano, e me refiro a “desenvolvimento normal”, quero me referir ao fato de que, cada sujeito tem um ritmo de desenvolvimento psicológico que lhe é próprio, todavia, este sujeito está inserido em uma cultura que dita tais etapas de desenvolvimento. O que defendo é a tese de que o desenvolvimento humano é cultural, na medida em que é a cultura que determina a velocidade da estimulação recebida pelo corpo, enquanto infraestrutura que responde a esta.

Parece difícil? Vou exemplificar, sem precisar ir muito longe: basta perguntar aos nossos pais ou avós como era a infância na época destes que logo logo receberemos palavras nostálgicas do tipo “eu brinquei de boneca até os meus 16 anos”, ou eu “jogava gude até meus 17 anos”, e várias coisas do gênero. E podemos colocar estes exemplos ao lado de vários outros, em diferentes culturas, desde as mais repressoras às mais liberais, através dos tempos.

O que digo é que, cada cultura, conforme a sua necessidade, trata o que hoje conhecemos como infância de seu próprio modo: Em sociedades primitivas, ou caçadoras, ou em constante litígio, a infância parece ser um período cada vez mais encurtado ou até mesmo inexistente, na medida em que os pais precisam ensinar os seus filhos a se “tornarem guerreiros” quão breve possível. Ou mesmo em sociedades campesinas onde mesmo a despeito das necessidades do trabalho do lar, as crianças possuem estimulação referente à cultura que vivem, podendo desfrutar deste período de “aprendizado da vida adulta” por mais tempo.

Não se trata de fazer juízo de valor sobre o quão adequado é ou não ter um período de infância mais curto ou mais longo, já que existe o fato de o ser humano possuir uma plasticidade biológica e cultural impressionantes e talvez ainda desconhecidas. Todavia, existem várias consequências de se ter, dentro de uma cultura que “dita” a normalidade do desenvolvimento, uma infância atropelada. Vários psicólogos e psiquiatras tem se esforçado para compreender os efeitos do Retardo Mental na vida social dos indivíduos (Vasconcelos, 2004; Schoen-Ferreira  & colaboradores, 2010; Bridi & Baptista, 2012), ao passo que parece ser muito difícil encontrar estudos semelhantes na área do desenvolvimento “precoce”.

O que eu pergunto é: tal atropelamento do desenvolvimento humano não trará consigo “efeitos colaterais” no mínimo difíceis de lidar? Ou ainda, não estrangulará afetos de forma irreparável? Como não tenho todas as respostas do mundo, deixarei este dilema para os psicólogos do desenvolvimento responderem, entendendo que, para o surgimento de respostas essenciais é preciso que surjam perguntas igualmente essenciais.

E para os pais, irmãos ou familiares fica o alerta: Como está o desenvolvimento de nossas crianças?

Referências

Bridi, F. R. S., & Baptista, C. R. (2012). Deficiência mental e pesquisa: atualidades e modos de conhecer. IX Seminário de Pesquisa em Educação da Região Sul.

Schoen-Ferreira, T. H., Hanazumi, A., Lobo, F. S., Abreu, H. G., Acrani, I. O., & Martelet, M. R. F. (2010). Dificuldades de aprendizagem e retardo mental: estudo de caso. Revista de Psicologia, 1(1), 33-42.

Vasconcelos, M. M. (2004). Retardo mental. Jornal de Pediatria, 80(2). S71-S72.

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Imagem: Extraída do Google Imagens

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Sobre o autor:

Murillo Rodrigues dos Santos, é psicólogo (CRP 09/9447) pela PUC Goiás (Brasil), com graduação sanduíche pela Universidad Católica del Norte (Chile). Possui aperfeiçoamento profissional pela Brown University (Estados Unidos) e Fundación Botín (Espanha). Mestrando em Psicologia pela Universidade Federal de Goiás (Brasil). Atualmente é pesquisador pela CAPES/MEC e presidente da Rede Goiana de Psicologia.

Sobre a Rede Goiana de Psicologia

A Rede Goiana de Psicologia é uma organização estadual de coolaboração acadêmica e profissional, criada no ano de 2014 com o objetivo de fortalecer a nossa a psicologia enquanto ciência e profissão através de uma série de projetos. Quer saber mais sobre nós? Clique no link "sobre nós" no menu principal.

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