Esta semana fiquei horrorizado ao
ver um vídeo no Facebook onde três crianças, que não deveriam ter mais do que
10 anos cada, faziam uma “apresentação” de funk carioca: O problema neste
sentido não está atrelado ao gosto musical pela música apresentada (que era, em
meu ponto de vista, um estupro musical), mas na performance apresentada – o menino
cantava (notava-se que ainda não sabia nem pronunciar algumas palavras
direito), sem camisa, enquanto duas meninas, seminuas (esboçando já o
desenvolvimento precoce das mamas, cobertas por tops minúsculos) esfregavam-se
no garoto, literalmente, e faziam movimentos típicos da dança sexualizada dos
bailes. Não postarei o vídeo por notáveis razões éticas.
Longe de ser puritano, coisa que
realmente não sou, e de tentar tolher qualquer tipo de expressão da sexualidade
infantil (para os leitores desavisados: digo isto no sentido psicanalítico, não
no sentido do que o senso comum pode pensar), fiquei horrorizado com o que vi –
crianças que ainda nem sabiam falar direito, expressando uma sexualidade
recheada de erotismo adulto. Não vou colocar ou tentar analisar o problema
moral disto, por entender que cada pessoa interpreta a moral de sua maneira ou
por suas crenças, mas colocarei nas linhas seguintes o problema psicológico e
social do fato.
Em primeiro lugar, vários
teóricos da psicologia tentaram periodizar o desenvolvimento humano, na
tentativa de compreender o que seria o “normal esperado” para cada fase, de
modo a poder acompanhar as questões decorrentes da experiência de cada
indivíduo: Problemas de aprendizagem, sofrimentos psíquicos das mais variadas
espécies, acompanhamento educacional adequado e etc. Aqui também enfrentaríamos
um problema filosófico de grande escala, se nos perguntarmos o que entendemos
por “normal”, e não é nosso objetivo perdermo-nos neste tema.
Quando falo sobre o
desenvolvimento humano, e me refiro a “desenvolvimento normal”, quero me
referir ao fato de que, cada sujeito tem um ritmo de desenvolvimento
psicológico que lhe é próprio, todavia, este sujeito está inserido em uma
cultura que dita tais etapas de desenvolvimento. O que defendo é a tese de que
o desenvolvimento humano é cultural, na medida em que é a cultura que determina
a velocidade da estimulação recebida pelo corpo, enquanto infraestrutura que
responde a esta.
Parece difícil? Vou exemplificar,
sem precisar ir muito longe: basta perguntar aos nossos pais ou avós como era a
infância na época destes que logo logo receberemos palavras nostálgicas do tipo
“eu brinquei de boneca até os meus 16 anos”, ou eu “jogava gude até meus 17
anos”, e várias coisas do gênero. E podemos colocar estes exemplos ao lado de
vários outros, em diferentes culturas, desde as mais repressoras às mais
liberais, através dos tempos.
O que digo é que, cada cultura,
conforme a sua necessidade, trata o que hoje conhecemos como infância de seu
próprio modo: Em sociedades primitivas, ou caçadoras, ou em constante litígio,
a infância parece ser um período cada vez mais encurtado ou até mesmo
inexistente, na medida em que os pais precisam ensinar os seus filhos a se “tornarem
guerreiros” quão breve possível. Ou mesmo em sociedades campesinas onde mesmo a
despeito das necessidades do trabalho do lar, as crianças possuem estimulação
referente à cultura que vivem, podendo desfrutar deste período de “aprendizado
da vida adulta” por mais tempo.
Não se trata de fazer juízo de
valor sobre o quão adequado é ou não ter um período de infância mais curto ou
mais longo, já que existe o fato de o ser humano possuir uma plasticidade
biológica e cultural impressionantes e talvez ainda desconhecidas. Todavia,
existem várias consequências de se ter, dentro de uma cultura que “dita” a
normalidade do desenvolvimento, uma infância atropelada. Vários psicólogos e
psiquiatras tem se esforçado para compreender os efeitos do Retardo Mental na
vida social dos indivíduos (Vasconcelos, 2004; Schoen-Ferreira & colaboradores, 2010; Bridi & Baptista,
2012), ao passo que parece ser muito difícil encontrar estudos semelhantes na
área do desenvolvimento “precoce”.
O que eu pergunto é: tal
atropelamento do desenvolvimento humano não trará consigo “efeitos colaterais”
no mínimo difíceis de lidar? Ou ainda, não estrangulará afetos de forma
irreparável? Como não tenho todas as respostas do mundo, deixarei este dilema
para os psicólogos do desenvolvimento responderem, entendendo que, para o
surgimento de respostas essenciais é preciso que surjam perguntas igualmente
essenciais.
E para os pais, irmãos ou
familiares fica o alerta: Como está o desenvolvimento de nossas crianças?
Referências
Bridi, F. R. S., & Baptista, C. R. (2012). Deficiência
mental e pesquisa: atualidades e modos de conhecer. IX Seminário de Pesquisa em
Educação da Região Sul.
Schoen-Ferreira, T. H., Hanazumi, A., Lobo, F. S., Abreu, H.
G., Acrani, I. O., & Martelet, M. R. F. (2010). Dificuldades de
aprendizagem e retardo mental: estudo de caso. Revista de Psicologia, 1(1), 33-42.
Vasconcelos, M. M. (2004). Retardo mental. Jornal de Pediatria, 80(2). S71-S72.
--------------
Imagem: Extraída
do Google Imagens
--------------
Murillo Rodrigues dos Santos, é psicólogo (CRP 09/9447) pela PUC
Goiás (Brasil), com graduação sanduíche pela Universidad Católica del Norte
(Chile). Possui aperfeiçoamento profissional pela Brown University (Estados
Unidos) e Fundación Botín (Espanha). Mestrando em Psicologia pela Universidade
Federal de Goiás (Brasil). Atualmente é pesquisador pela CAPES/MEC e presidente
da Rede Goiana de Psicologia.
0 comentários:
Postar um comentário