domingo, 22 de março de 2015

Porque o Mário corre da esquerda para a direita? A relação entre cérebro e cultura




No mês de Março de 2015 foi noticiado no site da Universidade de Lancaster no Reino Unido, que o Dr. Peter Walker havia realizado uma pesquisa com milhares de imagens e chegou a conclusão de que o nosso cérebro está “programado” para compreender melhor, ou que o mesmo se “sente” mais confortável, ao representar imagens em movimento na direção da esquerda para a direita. Isso explicaria, por exemplo, o motivo de tantos videogames do estilo side-scrolling (onde a câmera se desloca somente na lateral), como Super Mário, terem feito tanto sucesso nas décadas de 1980 e 1990.

O autor também sugere que tal prática teria sido determinante para a convenção do “Itálico” (aquele das letrinhas do Office Word) para a representação de velocidade e movimento. Também afirma que, mesmo em uma língua onde a leitura ocorre no sentido inverso ao nosso, o hebraico, a tendência ocorre pelo fato de também haver a representação do itálico.

De fato, parece que estamos sim acostumados a ver imagens se deslocar da esquerda para direita, ao passo que as imagens que se deslocam no sentido contrário parecem nos causar desconforto, assim como no GIF abaixo:

Agonizante, não?!


Todavia, eu gostaria de acrescentar uma pequena crítica à conclusão do trabalho, pela maneira como ela foi noticiada: Não parece ser algo tão extraordinário! E ainda não me coloco tão certo de que tal sensação possa se dar de igual forma para quem lê hebraico, ou outra língua de sentido diferente. O que eu coloco é que existe uma relação intrínseca entre organismo e cultura, na medida em que um altera o outro – é o velho princípio dialético. O homem, para dar maior comodidade ao seu organismo, cria ferramentas para facilitar a sua vida e existência, sendo que o alfabeto é um dos maiores exemplos disso, na medida em que foi feito para coordenar de maneira simbólica a sua relação com a realidade.

Neste sentido, na medida em que as ferramentas criadas pelo homem vão dando maior conforto para a sua vida, modificando as suas relações com o mundo (por exemplo: Quanto o alfabeto economiza tempo do ser humano para transmitir informações, na medida em que o homem não precisa ter que desenhar tudo ou fazer mímicas), seu comportamento também se modifica, e desta forma, sua própria estrutura biológica também: Outro exemplo disso é o homem que não precisa mais caçar para viver, podendo comprar as coisas no supermercado, não precisando, portanto, mais desenvolver um corpo musculoso e ágil, podendo se dar ao luxo de acumular certa gordurinha localizada, sem ter que se preocupar se isso vai dificultar a sua sobrevivência.

O ocorrido é que o alfabeto é um divisor de águas na história da humanidade, desde o fato de que a mesma começa a ser chamada de "história" a partir da invenção da escrita (tudo antes disso era chamado pré-história). E o cérebro do ser humano foi acostumando-se a “ler” tais símbolos e a atribuir uma direção na hora de representá-los. Oras, nós que somos ocidentais, criados em uma cultura linguística de raiz latina, não devemos nos estranhar ao saber que ler da esquerda para a direita não é a única forma de se ler no mundo: os semitas (judeus e árabes) leem da direita para a esquerda; japoneses leem de cima para baixo; e os cretenses (Grécia Antiga) liam em forma de espiral, já que escreviam em discos (que eram lidos de forma giratória).

O que quero dizer, para resumir tudo é que, estamos acostumados a “ler” o mundo em uma direção, e esta nada mais é do que a influência que a cultura, enquanto conjunto organizado de símbolos/informações, conseguiu “imprimir” no organismo humano, enquanto certas preferências. Assim, fica fácil compreender porque o estudo do Dr. Walker apresentou tal resultado, na medida em que a relação entre a linguagem e o cérebro, se torna cada vez mais clara e verificável. E quanto mais “globalizarmos” costumes (como o caso do itálico, que foi transferido para o hebraico), mais conexões faremos com nosso organismo, e mais complexo se tornará o nosso comportamento.

Imagem: Extraída do Google Imagens

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Sobre o autor

Murillo Rodrigues dos Santos, é psicólogo (CRP 09/9447) pela PUC Goiás (Brasil), com graduação sanduíche pela Universidad Católica del Norte (Chile). Possui aperfeiçoamento profissional pela Brown University (Estados Unidos) e Fundación Botín (Espanha). Mestrando em Psicologia pela Universidade Federal de Goiás (Brasil). Atualmente é pesquisador pela CAPES/MEC e presidente da Rede Goiana de Psicologia.

Sobre a Rede Goiana de Psicologia

A Rede Goiana de Psicologia é uma organização estadual de coolaboração acadêmica e profissional, criada no ano de 2014 com o objetivo de fortalecer a nossa a psicologia enquanto ciência e profissão através de uma série de projetos. Quer saber mais sobre nós? Clique no link "sobre nós" no menu principal.

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