terça-feira, 14 de abril de 2015

Como não criar um filho “chantagista"




Uma das coisas que tenho notado na atualidade é a constante dificuldade dos novos pais em lidar com a criação dos filhos: Temos criado uma era do “filhocentrismo” onde as crianças dominam o lar, ditam as regras de conduta e condicionam severamente o comportamento dos pais. Quem não conhece o famoso discurso “Filho é uma bênção de Deus” ou “Filho é a melhor coisa do mundo”? E quem também não conhece “não estou dando conta do meu filho” ou meu filho “é muito inquieto e agitado”... Pois bem!

Tenho notado que existe uma incrível relação entre diversos fenômenos encontrados na infância tardia e na adolescência, que são socialmente deletérios, que poderiam ser facilmente evitados se os pais tivessem um pouco mais de habilidades no processo de educação dos filhos: E preste bastante atenção ao fato de que educação não é simplesmente aquele ato formal de alfabetizar os filhos, mas sim a prática cotidiana de transmitir-lhes cultura para viver em sociedade. Neste sentido, a educação começa a partir do nascimento, sendo primeiramente de responsabilidade dos pais.

Quando falo sobre filho “Chantagista” (note que uso o termo entre parênteses, para evidenciar que isso é um termo do senso comum), me refiro às crianças que tem o incrível poder de manipulação dos pais: Fazem o que querem, na hora que querem, e não podem ser contrariados, pois se o forem, logo aprontam uma maneira de constranger socialmente ou psicologicamente os pais de alguma maneira (quem não conhece as “birras” de supermercado, ou coisas do tipo), obrigando os pais a cederem aos seus caprichos. Mas porque isso ocorre?

Simplesmente pelo fato de que foram ensinados! Você, pai desavisado, poderia se questionar: “Mas meu filho nem fala, nem anda, e já é desse jeito, como é possível?!”. Simplesmente porque nem toda aprendizagem é necessariamente um processo consciente, mas pode ser um processo de condicionamento. O que isso quer dizer? Quer dizer que, mesmo sem entender o que está fazendo, a criança pode desenvolver uma série de comportamentos porque foi “impelida” a fazer isso! E isso mostra que a educação começa extremamente cedo.

E cria-se com isso um ciclo cruel: Os pais que não aprenderam a educar os filhos, imprimindo neles seus vícios e transferindo as suas neuroses, acabam por puni-los futuramente por coisas que eles mesmos geraram. E assim, cria-se uma indústria da revolta, da violência e da delinquência.

Para entender como se livrar deste problema, longe de tentar fornecer uma receita universal para todos, pois em se tratando de ciências humanas (onde a psicologia se insere) cabe muito bem a máxima de que “cada caso é um caso”, passemos a entender que existem coisas simples que os pais podem fazer, que ajudam a ter filhos cada dia mais educados e menos tendentes ao ciclo perverso da violência que citamos anteriormente:

Aprenda que seu filho vai chorar, mas que nem sempre isso é ruim: Sim, o choro não é sempre uma maneira de comunicar que algo está errado, mas é a primeira forma que os bebês aprendem para interagir com o mundo! Por isso haverá sim situações em que seus bebês vão chorar porque estão com fome, porque estão com dor, porque estão com medo, ou porque simplesmente querem que você esteja perto (e isso não é necessariamente uma “prova que a criança te ama”, mas porque ainda não aprendeu a ficar sozinha depois de ter nascido). Os primeiros meses de vida são muito importantes para que a criança entenda que, estando fora da barriga da mãe, existe outra dinâmica, e que ela deverá aprender que não terá a sua mãe 24 horas por dia, vigilante, ao lado, oferecendo comida, calor, colo, etc. Há momentos em que é importante que a criança fique sozinha em seu berço. Ela irá chorar por vários motivos e é importante que se verifique se está tudo bem, mas estando com a saúde perfeita, alimentada, bem cuidada, não é todo choro que signifique que a criança necessite de alguma coisa com urgência. A criança aprende a esperar, a ter limites, e a entender que o mundo não gira ao redor dos seus comandos ainda muito cedo, por isso, é necessário entender esta dinâmica, para não ter um filho que toda vez que chora terá seus pais fazendo suas vontades, isso os fará chorar mais e mais e mais, sempre.

Aprenda que você não deve dar tudo aquilo que seu filho quer: Isso mesmo, ele precisa a entender a palavra “Não”! E isso começa desde cedo – crianças são curiosas e querem tocar, experimentar e provar tudo. Um exemplo disso é aquela criança com 8 meses de idade, que não pode comer qualquer coisa (pois não tem o sistema digestivo totalmente maduro para isso) querer comer carne, chocolate, mas que aprendeu que se fizer um biquinho e esboçar um choro vai receber o que quer dos pais. Isso é um grave problema, pois além de prejudicar saúde da criança, pode reforçar o sentimento de “onipotência” da mesma. As crianças precisam aprender o que elas podem e o que elas não podem, e que um não é não, mesmo que elas chorem a noite toda por conta disso, vão aprender que o choro não irá dar o que elas querem no dia seguinte, e neste outro dia não chorarão por isso.

Lide com suas próprias dificuldades e neuroses: Existem pais que simplesmente são incapazes de dizer não para os filhos, porque nunca ouviram ou não, ou porque ouviram vários em sua história de vida! Quem nunca ouviu de um pai que “vou dar para meu filho tudo aquilo que eu não tive”, e desta forma transfere para ele todas as suas angústias e irresoluções de quando era criança. E quem disse que seus filhos precisam ter tudo aquilo que você não teve? As necessidades e os desejos mudam conforme o tempo, variando de geração em geração, mas existe algumas necessidades que nunca saem de moda – o carinho, afeto, a educação. Por isso, muitos pais não conseguem dizer não para os filhos, porque simplesmente eles mesmos não conseguem lidar com seus “nãos” mal resolvidos da infância.

Aprenda que existe tempo certo para dar o que tem que ser dado: Sim, o problema as vezes não se trata em dar ou não dar determinada coisa, mas saber o tempo certo de fazê-lo! Às vezes você compra um presente para o seu filho, para ser dado no natal, mas que o mesmo com tamanha ansiedade, pressiona os pais para poder abri-lo antes da hora. O problema não está em dar a coisa, mas em dar no tempo certo. Esse tempo de espera é um dos principais “professores” para as crianças aprenderem a lidar com os seus desejos, pois entenderão um dia que não poderão ter o que querem, por mais justo ou bom que seja, em qualquer hora.

Aprenda a diferença entre ser um pai e um “amigo”: Essa foi uma das filosofias que adentrou ao senso comum do comportamento familiar, a de que os pais devem ser amigos dos seus filhos. Ora, isso em si não é uma mentira, pois a amizade é necessária entre pais, irmãos, casais ou o grupo social que seja, mas o problema se dá quando os pais abrem mão da figura parental para ficarem no nível da amizade barganhando comportamentos com os filhos. Será necessário que os pais afirmem a sua posição de pais, e que em muitos momentos estabeleçam regras. Esse processo de estabelecer regras, todavia, não é simplesmente dizer “porque é assim e pronto”, mas explicar para a criança que se ela fizer isso, acontece isso, então ela deve obedecer. Explicar as relações entre as causas e os prováveis efeitos, de maneira bem simples e acessíveis às crianças, ajuda-as a entender a importâncias das regras.

E por último, estabelecer uma relação de reforçamento positivo: Isso quer dizer que, as crianças devem ser elogiadas e recompensadas a cada ato positivo que fizerem, isso fará com tais atos tendam à multiplicação. Não basta somente estabelecer regras e limites, isso criaria os filhos sob uma espécie de militarismo familiar, o que também pode cessar com a criatividade e autonomia da criança, mas estabelecer uma boa relação de recompensas recheadas de afeto.

Estes são princípios gerais, que se observados podem ajudar bastante na criação dos filhos, e evitar que ocorra uma geração de pequenos “oportunistas, violentos e chantagistas”, que futuramente, poderão ser cidadãos bem menos responsáveis ou conscientes se estes pontos não forem observados.

Imagem: Extraída do Google Imagens

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Sobre o autor

Murillo Rodrigues dos Santos, é psicólogo (CRP 09/9447) pela PUC Goiás (Brasil) com graduação sanduíche e formação em Terapia Sistêmico-Relacional de Casais e Famílias pela Universidad Católica del Norte (Chile). Possui aperfeiçoamento profissional pela Brown University (Estados Unidos) e pela Fundación Botín (Espanha). Mestrando em Psicologia pela Universidade Federal de Goiás (Brasil). Atualmente é pesquisador pela CAPES/MEC e presidente da Rede Goiana de Psicologia.

Sobre a Rede Goiana de Psicologia

A Rede Goiana de Psicologia é uma organização estadual de coolaboração acadêmica e profissional, criada no ano de 2014 com o objetivo de fortalecer a nossa a psicologia enquanto ciência e profissão através de uma série de projetos. Quer saber mais sobre nós? Clique no link "sobre nós" no menu principal.

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