quinta-feira, 23 de abril de 2015

Entre bares e bibliotecas: a relação entre o aulismo, rebeldia e a formação em psicologia




Quem nunca matou aquela aula chata para ir tomar uma “gelada” no bar da faculdade? Seja ele o Bar da Tia, o Biblioteca bar, o bar Pamonharia, o bar do Oswaldo, o bar do Aranha, o bar do Juca, o bar do Zé, o bar Quinta Aula, o Birutão Bar, o Espetinho Universitário, o Bar Rio, o Faculdade Bar, ou o nome que se dê! “Nooossa que horror” você deve estar pensando, principalmente se for alguém que acha que para ser um “bom psicólogo” você deve andar na linha: Tirar 10 em todas as matérias, não faltar aulas e se dedicar ferrenhamente às atividades de classe e ser um perfeito estereótipo de “Caxias”! Engana-se!

A pessoa que conhece a formação em psicologia, sabe que durante os 5 anos de graduação, o estudante irá se deparar com todo tipo de conteúdos, professores, teorias, e que, ao final destes sofridos anos terá que fazer uma escolha para a vida profissional, ao eleger uma ênfase para a sua formação: apesar de formar generalistas, a graduação prepara melhor seus estudantes nos últimos 2 anos para uma área de concentração, seja ela na psicologia clínica, escolar, hospitalar, comunitária, etc. Isso quer dizer que, durante os primeiros anos o estudante se entupirá de informações que podem ou não ser úteis para a vida profissional; digo isto, pelo fato de acreditar ser extremamente importante ao psicólogo, independentemente de sua orientação teórica, ter um conhecimento plural da maior parte de teorias que puder.

Mas é fato, senhores, que é impossível dominar com maestria e perfeição todas as teorias, tanto pelo fato de serem muito extensas, quanto pelo fato de serem múltiplas, e ainda pelo fato de serem ontológica, epistemológica e metodologicamente conflitantes na maioria das vezes. E quando se fala que você deverá escolher sua abordagem teórica para a psicologia, iniciam-se as preocupações entre os estudantes: os mais ansiosos começam a se preocupar antecipadamente com o tema, e os mais relaxados não se preocupam em nada, achando que poderão fazer um mix das abordagens (como se fosse uma vitamina ‘à moda’, preparada no liquidificador com todos os ingredientes da casa), e enrolam-se neste sofrimento, sem perceber que em grande parte das vezes, nos primeiros momentos de nossa caminhada, parte de nossas escolhas será norteada pela estética das abordagens e não necessariamente pelo seu conteúdo (que em grande parte é desconhecido pelos estudantes), que passarão a entendê-lo ao caminhar para o final do curso, sob a orientação de um professor especialista.

Mas o que acontece neste processo é o fato de que muitas vezes, tendo já se identificado com uma abordagem teórica, e já tendo um conhecimento razoável das outras, somos obrigados a nadar em conteúdos redundantes que são ministrados pelas disciplinas universitárias: estuda-se o comportamento tal na matéria x (do primeiro período), depois o mesmo conteúdo revisado na matéria y (do segundo período), para fazer outra revisão de pré-requisito de outra matéria (no quinto período), para fazer um estágio obrigatório (no sexto período), e isso sem a mínima vontade de fazê-la. Não estou também advogando a causa da liberação absoluta das obrigações intelectuais dos estudantes, para elegerem o que quiserem (ou qualquer espécie de anarquismo científico), mas também não sou favorável à dinâmica que encerra os estudantes em salas de aulas durante vários e vários períodos, falando de uma teoria que muitas vezes é mais abstrata do que se um literário estudasse física quântica (falta prática, falta interesse e falta ênfase).

Essa é a tese do aulismo, aquela que pensa o estudante como um ser que só será formado dentro de uma sala de aula (extensivamente), e que somente o professor é o responsável por transmitir um conhecimento (quase mágico), como se este fosse uma substância intelectual. Na bem da verdade, o aulismo não consegue entender a diferença entre informação e conhecimento: a primeira é simplesmente uma série de dados ordenados de forma lógica que são repassados de pessoa para pessoa e; o segundo é um processo de assimilação da informação de forma que os sujeitos que interagem neste processo construam uma teia de sentidos e significados e singulares para tal.

Isso quer dizer que a sala de aula não possui mais a hegemonia na formação dos estudantes, mas sim as relações entre os sujeitos concretos que se colocam no espaço e no tempo para resolverem problemas em comum. Isso explicaria porque tantas vezes, estudar no bar da faculdade, ou mesmo prosear com os colegas de classe é mais produtivo do que assistir à uma aula de 2 horas da qual não se produz nenhum sentido na relação entre os sujeitos. Por isso que grande parte das melhores ideais, parcerias, negócios ou mesmo teorias surgiram não em ambientes acadêmicos, mas em mesas de bar (uso a mesa de bar como alegoria para qualquer espaço informal do qual os sujeitos sejam livres para interagirem e criarem), um exemplo disso saiu em reportagem feita pela revista Exame, que pode ser acessada neste link.

Neste sentido, sempre encontraremos alunos que possuem grandes potenciais nas universidades, que receberão a marca da inquisição de alguns professores, sentenciando-os ao ostracismo acadêmico ou profissional, profetizando o insucesso futuro em sua profissão, pelo simples fato de não manifestarem o menor interesse em assistirem suas aulas: a questão é simples, para uma aula ser interessante, o professor precisar ter didática, dinâmica e autoridade (no sentido de ter domínio do conteúdo), e se ele não tiver, pelo menos um destes três, não há santo que faça o bar, com sua cerveja geladíssima, ótimas companhias, com boas conversas, perder para a aula.

O que eu quero dizer aqui, resumidamente, é que não é a aula que dota a pessoa de conhecimentos específicos sobre determinada parte da realidade: muitas vezes eu aprendi a escutar, a conter a ansiedade das pessoas, a não julgar, em situações não acadêmicas, que variavam de uma mesa de bar, a um ponto de ônibus. Mas isso só foi possível também, graças ao conteúdo adquirido de maneira institucional através de grandes mestres. Neste sentido, um dos critérios para entender esse delicado jogo é tentar mediar a situação pelo equilíbrio, saber a hora de cada coisa, e não simplesmente abraçar a rebeldia, jogar tudo para o alto e desperdiçar preciosos momentos formais de instrução por conta de uma caixa de cervejas ou uma “galera no boteco”, mas aprender a diferença entre o momento da necessidade de escape e o momento em que se deve dedicar-se ao indesejado.

Não é à toa que, grandes amigos e conhecidos psicólogos, dos quais hoje são excelentes profissionais, foram assíduos transgressores do aulismo na faculdade, e encontravam refúgio no bar, como um templo de descanso e criatividade; mas este “templo” poderia ser qualquer outro lugar: um centro acadêmico, uma atlética, uma liga acadêmica, uma biblioteca, ou o que quer que seja. É isto que temos que entender, tais espaços também fazem parte da formação dos psicólogos e de vários outros profissionais.

É por isso que o processo de seleção das melhores universidades do mundo, tanto de programas de graduação quanto de pós-graduação, valorizam as atividades extracurriculares, de cunho social, político, artístico e religioso tanto quanto as atividades de classe, mas o problema é que o Brasil ainda não entendeu esta ideia. Para que deixemos de encarar os comportamentos “rebeldes” dos estudantes de psicologia (ou de qualquer outra disciplina) como simples desinteresses individuais, é importante que compreendamos que existem mais fatores implicados neste processo do que uma e rápida observação pode aferir, e se este texto ajudou a pensar um pouco sobre esta dinâmica, vamos comemorar, porque conseguimos melhorar a nossa formação profissional.

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Imagem: Extraída do Google Imagens

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Sobre o autor

Murillo Rodrigues dos Santos, é psicólogo (CRP 09/9447) pela PUC Goiás (Brasil) com graduação sanduíche e formação em Terapia Sistêmico-Relacional de Casais e Famílias pela Universidad Católica del Norte (Chile). Possui aperfeiçoamento profissional pela Brown University (Estados Unidos) e pela Fundación Botín (Espanha). Mestrando em Psicologia pela Universidade Federal de Goiás (Brasil). Atualmente é pesquisador pela CAPES/MEC e presidente da Rede Goiana de Psicologia.

Sobre a Rede Goiana de Psicologia

A Rede Goiana de Psicologia é uma organização estadual de coolaboração acadêmica e profissional, criada no ano de 2014 com o objetivo de fortalecer a nossa a psicologia enquanto ciência e profissão através de uma série de projetos. Quer saber mais sobre nós? Clique no link "sobre nós" no menu principal.

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