Quem nunca matou aquela aula
chata para ir tomar uma “gelada” no bar da faculdade? Seja ele o Bar da Tia, o Biblioteca
bar, o bar Pamonharia, o bar do Oswaldo, o bar do Aranha, o bar do Juca, o bar
do Zé, o bar Quinta Aula, o Birutão Bar, o Espetinho Universitário, o Bar Rio,
o Faculdade Bar, ou o nome que se dê! “Nooossa que horror” você deve estar
pensando, principalmente se for alguém que acha que para ser um “bom psicólogo”
você deve andar na linha: Tirar 10 em todas as matérias, não faltar aulas e se
dedicar ferrenhamente às atividades de classe e ser um perfeito estereótipo de “Caxias”!
Engana-se!
A pessoa que conhece a formação em
psicologia, sabe que durante os 5 anos de graduação, o estudante irá se deparar
com todo tipo de conteúdos, professores, teorias, e que, ao final destes
sofridos anos terá que fazer uma escolha para a vida profissional, ao eleger
uma ênfase para a sua formação: apesar de formar generalistas, a graduação
prepara melhor seus estudantes nos últimos 2 anos para uma área de
concentração, seja ela na psicologia clínica, escolar, hospitalar, comunitária,
etc. Isso quer dizer que, durante os primeiros anos o estudante se entupirá de
informações que podem ou não ser úteis para a vida profissional; digo isto,
pelo fato de acreditar ser extremamente importante ao psicólogo,
independentemente de sua orientação teórica, ter um conhecimento plural da
maior parte de teorias que puder.
Mas é fato, senhores, que é
impossível dominar com maestria e perfeição todas as teorias, tanto pelo fato
de serem muito extensas, quanto pelo fato de serem múltiplas, e ainda pelo fato
de serem ontológica, epistemológica e metodologicamente conflitantes na maioria
das vezes. E quando se fala que você deverá escolher sua abordagem teórica para
a psicologia, iniciam-se as preocupações entre os estudantes: os mais ansiosos
começam a se preocupar antecipadamente com o tema, e os mais relaxados não se
preocupam em nada, achando que poderão fazer um mix das abordagens (como se
fosse uma vitamina ‘à moda’, preparada no liquidificador com todos os
ingredientes da casa), e enrolam-se neste sofrimento, sem perceber que em grande
parte das vezes, nos primeiros momentos de nossa caminhada, parte de nossas
escolhas será norteada pela estética das abordagens e não necessariamente pelo
seu conteúdo (que em grande parte é desconhecido pelos estudantes), que
passarão a entendê-lo ao caminhar para o final do curso, sob a orientação de um
professor especialista.
Mas o que acontece neste processo
é o fato de que muitas vezes, tendo já se identificado com uma abordagem
teórica, e já tendo um conhecimento razoável das outras, somos obrigados a
nadar em conteúdos redundantes que são ministrados pelas disciplinas
universitárias: estuda-se o comportamento tal na matéria x (do primeiro
período), depois o mesmo conteúdo revisado na matéria y (do segundo período),
para fazer outra revisão de pré-requisito de outra matéria (no quinto período),
para fazer um estágio obrigatório (no sexto período), e isso sem a mínima
vontade de fazê-la. Não estou também advogando a causa da liberação absoluta
das obrigações intelectuais dos estudantes, para elegerem o que quiserem (ou
qualquer espécie de anarquismo científico), mas também não sou favorável à
dinâmica que encerra os estudantes em salas de aulas durante vários e vários
períodos, falando de uma teoria que muitas vezes é mais abstrata do que se um
literário estudasse física quântica (falta prática, falta interesse e falta
ênfase).
Essa é a tese do aulismo, aquela que pensa o estudante
como um ser que só será formado dentro de uma sala de aula (extensivamente), e
que somente o professor é o responsável por transmitir um conhecimento (quase mágico),
como se este fosse uma substância intelectual. Na bem da verdade, o aulismo não
consegue entender a diferença entre informação e conhecimento: a primeira é
simplesmente uma série de dados ordenados de forma lógica que são repassados de
pessoa para pessoa e; o segundo é um processo de assimilação da informação de
forma que os sujeitos que interagem neste processo construam uma teia de
sentidos e significados e singulares para tal.
Isso quer dizer que a sala de
aula não possui mais a hegemonia na formação dos estudantes, mas sim as relações
entre os sujeitos concretos que se colocam no espaço e no tempo para resolverem
problemas em comum. Isso explicaria porque tantas vezes, estudar no bar da
faculdade, ou mesmo prosear com os colegas de classe é mais produtivo do que
assistir à uma aula de 2 horas da qual não se produz nenhum sentido na relação
entre os sujeitos. Por isso que grande parte das melhores ideais, parcerias,
negócios ou mesmo teorias surgiram não em ambientes acadêmicos, mas em mesas de
bar (uso a mesa de bar como alegoria para qualquer espaço informal do qual os
sujeitos sejam livres para interagirem e criarem), um exemplo disso saiu em
reportagem feita pela revista Exame, que pode ser acessada neste link.
Neste sentido, sempre
encontraremos alunos que possuem grandes potenciais nas universidades, que
receberão a marca da inquisição de alguns professores, sentenciando-os ao
ostracismo acadêmico ou profissional, profetizando o insucesso futuro em sua
profissão, pelo simples fato de não manifestarem o menor interesse em assistirem
suas aulas: a questão é simples, para uma aula ser interessante, o professor
precisar ter didática, dinâmica e autoridade (no sentido de ter domínio do
conteúdo), e se ele não tiver, pelo menos um destes três, não há santo que faça
o bar, com sua cerveja geladíssima, ótimas companhias, com boas conversas,
perder para a aula.
O que eu quero dizer aqui,
resumidamente, é que não é a aula que dota a pessoa de conhecimentos
específicos sobre determinada parte da realidade: muitas vezes eu aprendi a
escutar, a conter a ansiedade das pessoas, a não julgar, em situações não
acadêmicas, que variavam de uma mesa de bar, a um ponto de ônibus. Mas isso só
foi possível também, graças ao conteúdo adquirido de maneira institucional
através de grandes mestres. Neste sentido, um dos critérios para entender esse
delicado jogo é tentar mediar a situação pelo equilíbrio, saber a hora de cada
coisa, e não simplesmente abraçar a rebeldia, jogar tudo para o alto e
desperdiçar preciosos momentos formais de instrução por conta de uma caixa de
cervejas ou uma “galera no boteco”, mas aprender a diferença entre o momento da
necessidade de escape e o momento em que se deve dedicar-se ao indesejado.
Não é à toa que, grandes amigos e
conhecidos psicólogos, dos quais hoje são excelentes profissionais, foram
assíduos transgressores do aulismo na faculdade, e encontravam refúgio no bar,
como um templo de descanso e criatividade; mas este “templo” poderia ser
qualquer outro lugar: um centro acadêmico, uma atlética, uma liga acadêmica,
uma biblioteca, ou o que quer que seja. É isto que temos que entender, tais
espaços também fazem parte da formação dos psicólogos e de vários outros
profissionais.
É por isso que o processo de
seleção das melhores universidades do mundo, tanto de programas de graduação
quanto de pós-graduação, valorizam as atividades extracurriculares, de cunho
social, político, artístico e religioso tanto quanto as atividades de classe,
mas o problema é que o Brasil ainda não entendeu esta ideia. Para que deixemos
de encarar os comportamentos “rebeldes” dos estudantes de psicologia (ou de
qualquer outra disciplina) como simples desinteresses individuais, é importante
que compreendamos que existem mais fatores implicados neste processo do que uma
e rápida observação pode aferir, e se este texto ajudou a pensar um pouco sobre
esta dinâmica, vamos comemorar, porque conseguimos melhorar a nossa formação
profissional.
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Imagem: Extraída do Google Imagens
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Murillo Rodrigues dos Santos, é psicólogo (CRP 09/9447) pela PUC
Goiás (Brasil) com graduação sanduíche e formação em Terapia
Sistêmico-Relacional de Casais e Famílias pela Universidad Católica del Norte
(Chile). Possui aperfeiçoamento profissional pela Brown University (Estados
Unidos) e pela Fundación Botín (Espanha). Mestrando em Psicologia pela
Universidade Federal de Goiás (Brasil). Atualmente é pesquisador pela CAPES/MEC
e presidente da Rede Goiana de Psicologia.
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